Outros "mares" por onde navego...

terça-feira, 27 de abril de 2010

FlorEssências

     Mulheres-de-maio
         são flores:
    dormem sementes
    e um dia brotam
silenciosas em seus perfumes,
  múltiplas em suas pétalas,
     que frágeis
morrem a cada sol
do solo-Homem.

Mas crescem! Levantam-se!
  e em sua FlorEssência
    são corpos florídeos
nadando em águas azuis,
    são rosas eróticas
            vermelhas,
             brancas e,
             ainda rosas,
são caleidoscópicas.

       Orquídeas escondidas
virgens exóticas abertas ao sêmen
       e ao pólen...
  que no poema se espalha
                vingando
                correndo...
escorrendo-se em margaridas
                em marias...

( Betha Mendes )

Poema publicado na Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos 63, p. 25.
Câmara Brasileira de Jovens Escritores
http://www.camarabrasileira.com/

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Impossível

impossível ignorar esta Chuva
não perceber o seu cair lento e incansável
disfarçá-la em gotas de cristal
sonhá-la em espirais de vento que nunca passam

impossível não esperar esta Flor
não vê-la chorando sob a terra fecunda
num percurso que apressa e rompe fendas
porque o tempo já se apossou demais

impossível a fantasia dos meus olhos
se na minha face brilham todos os mistérios:
o teor da minha alma
meus segredos mutilados... exilados...
os últimos fragmentos nas últimas horas do Sol

( Betha Mendes )

Imagem do Google

domingo, 18 de abril de 2010

um novo rio

.

.

fazer poesia é vivê-la também
na alma de quem chora
no coração que sorri
é apreciar todo dia o rio em seu percurso
perdê-lo de vista
e novamente amanhecer com uma nova palavra
que pode ser o mesmo rio

visto com um novo olhar...

( Betha Mendes )

Imagem do Google

sábado, 10 de abril de 2010

Leitura, memória e poesia

Eu, no livro-útero da minha mãe, daquela que um destino nordestino me trazia, já lia no aconchego do seu corpo as primeiras lições da vida sem cartilhas.
Li com o barulho das águas e com a direção dos ventos; com a infância rasgada em calçadas e em tudo que rimava com liberdade; com o sofrimento dos que se retiram e sonham em voltar e, sobretudo, com a esperança de ver mudar o mundo como muda cada letra na construção de uma nova palavra.
Percebi com as vozes solidárias que sempre me convidavam: "Vem, abre o livro, solta a pipa e a imaginação. Vê os continentes em cada página, vê a própria alma disfarçada num personagem qualquer." E assim, a vida se abria num papel em branco.
Ah... me leva pra Pasárgada num sonho de Cecília embalado pelos ventos e conduzido pela leitura mostrando a infinda diversidade que é o Brasil... o mundo. Lá, estão os poetas, que nunca morrem.
O cotidiano revelado nas cores, nas caras e nas máscaras da minha adolescência, os sonhos e o tempo voavam, mas eu tentava conviver, num eterno "happy end", as ideias loucas com a solidariedade e a luta nordestinada a se retirar. Um cotidiano em que Chico carioca não era melhor que o nordestino Cabral. Em que Gil e Caetano, em ondas criativas de melodia, ultrapassavam a amada terra Bahia. Em que talentos brotavam e se confundiam nos intertextos dos assuntos que, renovados, se repetiam.
Este Brasil me ensinou as letras com professores de todo dia: os mestres com salários mal pagos, os pais e a roda de amigos, a rua, a igreja, as notícias de boca em boca, as mentiras e as verdades nas telas e nos jornais; a gíria da moda, a etiqueta, o falar discriminado, o erro, a imitação. Todos os alfabetos que se juntavam e me faziam sorrir num conto de fadas. Todas as imagens de crianças mortas, a guerra e a procura da paz. Todas as infâncias risonhas, com lápis, papel e ideia. Todas as interpretações válidas que se interagem e fazem do mundo leitor um cidadão.
Tudo e até com a decepção de não ser como Cecília e Cora, Sabino, Quintana, Drummond...
Soletrei com tudo, até com a coragem de retirar do baú da minha timidez um poema guardado e mostrá-lo, numa inocência adulta, ridícula, talvez!
Quem me ensinou a ler foi você quando me ofertou livros, dizendo-me verdades e mentiras numa tela falsa; quando me levou a passear e a contar-me a história dos homens; quando aluno, foi meu professor, convidando-me a escolher e a juntar palavras, ideias e imaginação.           

( Betha Mendes )

"Moça com livro" , tela de José Ferraz de Almeida Jr.
Imagem do Google.