Outros "mares" por onde navego...

sábado, 10 de abril de 2010

Leitura, memória e poesia

Eu, no livro-útero da minha mãe, daquela que um destino nordestino me trazia, já lia no aconchego do seu corpo as primeiras lições da vida sem cartilhas.
Li com o barulho das águas e com a direção dos ventos; com a infância rasgada em calçadas e em tudo que rimava com liberdade; com o sofrimento dos que se retiram e sonham em voltar e, sobretudo, com a esperança de ver mudar o mundo como muda cada letra na construção de uma nova palavra.
Percebi com as vozes solidárias que sempre me convidavam: "Vem, abre o livro, solta a pipa e a imaginação. Vê os continentes em cada página, vê a própria alma disfarçada num personagem qualquer." E assim, a vida se abria num papel em branco.
Ah... me leva pra Pasárgada num sonho de Cecília embalado pelos ventos e conduzido pela leitura mostrando a infinda diversidade que é o Brasil... o mundo. Lá, estão os poetas, que nunca morrem.
O cotidiano revelado nas cores, nas caras e nas máscaras da minha adolescência, os sonhos e o tempo voavam, mas eu tentava conviver, num eterno "happy end", as ideias loucas com a solidariedade e a luta nordestinada a se retirar. Um cotidiano em que Chico carioca não era melhor que o nordestino Cabral. Em que Gil e Caetano, em ondas criativas de melodia, ultrapassavam a amada terra Bahia. Em que talentos brotavam e se confundiam nos intertextos dos assuntos que, renovados, se repetiam.
Este Brasil me ensinou as letras com professores de todo dia: os mestres com salários mal pagos, os pais e a roda de amigos, a rua, a igreja, as notícias de boca em boca, as mentiras e as verdades nas telas e nos jornais; a gíria da moda, a etiqueta, o falar discriminado, o erro, a imitação. Todos os alfabetos que se juntavam e me faziam sorrir num conto de fadas. Todas as imagens de crianças mortas, a guerra e a procura da paz. Todas as infâncias risonhas, com lápis, papel e ideia. Todas as interpretações válidas que se interagem e fazem do mundo leitor um cidadão.
Tudo e até com a decepção de não ser como Cecília e Cora, Sabino, Quintana, Drummond...
Soletrei com tudo, até com a coragem de retirar do baú da minha timidez um poema guardado e mostrá-lo, numa inocência adulta, ridícula, talvez!
Quem me ensinou a ler foi você quando me ofertou livros, dizendo-me verdades e mentiras numa tela falsa; quando me levou a passear e a contar-me a história dos homens; quando aluno, foi meu professor, convidando-me a escolher e a juntar palavras, ideias e imaginação.           

( Betha Mendes )

"Moça com livro" , tela de José Ferraz de Almeida Jr.
Imagem do Google.

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